Evolução Pessoal

O cansaço que você sente no fim de um dia de trabalho na frente do computador pode não ter a ver com a profissão que você escolheu ou com a carga de trabalho – pode ser, simplesmente, um efeito colateral de uma ocupação focada no intelecto e não no trabalho manual.

É essa a hipótese do doutor em filosofia política Matthew Crawford, que abandonou o trabalho na academia para se tornar mecânico em uma oficina de motocicletas. Inspirado pela experiência, ele lançou o livro “The Case For Working With Your Hands: Or Why Office Work Is Bad For Us And Fixing Things Feels Good” (“Por que trabalhar usando as mãos: ou por que trabalho no escritório faz mal e arrumar as coisas dá prazer”, sem edição em português).

“As satisfações de se manifestar concretamente no mundo através de trabalhos manuais é conhecida por ter a capacidade de trazer tranquilidade. [Esses trabalhos] parecem aliviar a necessidade do indivíduo de pensar em interpretações trepidantes para justificar seu valor. Ele pode simplesmente observar: o prédio está de pé, o carro funciona, as luzes ligam.”

Matthew Crawford | Acadêmico e mecânico

 

 

 

Crawford se refere a trabalhos manuais tradicionais, normalmente envolvendo a criação ou o conserto de coisas. Mecânica, elétrica, mecatrônica, bordado, panificação e carpintaria são alguns exemplos.

Para ele, a desvalorização dos trabalhos manuais de todo tipo pela sociedade é a razão pela qual profissões modernas, focadas no intelecto, parecem tão “vazias e superficiais”.

No livro, Crawford descreve porque trabalhos manuais trazem mais satisfação:

 

SENSO DE AUTONOMIA

A manutenção de um problema no motor de um carro depende de um mecânico. O trabalho executado por ele não é apenas um tijolo em um projeto maior, é o trabalho todo. Isso significa que ele toma decisões que impactam de maneira direta e objetiva no resultado final do processo, que também é objetivo – ou o motor funciona, ou não funciona.

SENSO DE RESPONSABILIDADE PELO TRABALHO

A autonomia também traz mais responsabilidade pelo trabalho final. Toda a responsabilidade de construir um armário a partir de pedaços de madeira vem das mãos, da habilidade e da concentração de um marceneiro.

MENOS ROTINA, MAIS IMPROVISO

Embora trabalho manual exija técnica, o roteiro a ser seguido quase nunca é o mesmo. É preciso improvisar com frequência. Essa fuga de rotina e de protocolo é prazerosa e benéfica para o cérebro, de acordo com ele.

MAIOR CONEXÃO COM A REALIDADE

Para Crawford, a sociedade da informação e da manufatura nos entrega produtos prontos, que muitas vezes são feitos para que não possam ser consertados ou abertos para exploração. Isso, para ele, nos torna mais passivos, dependentes e manipuláveis – e aquilo que é físico atrai menos a atenção. O trabalho manual nos torna mais atentos aos detalhes do mundo físico: segundo ele, construir coisas nos conecta de novo com o que não é virtual.

OBJETIVOS CLAROS

Um trabalho manual tem, normalmente, uma meta clara. Na maioria das vezes, essa meta envolve sinais físicos difíceis de confundir. Essa não é uma característica presente em todos os trabalhos de cunho intelectual.

A PERFORMANCE É MENSURÁVEL DE MANEIRA OBJETIVA

Da mesma maneira, consertar a fiação elétrica da sua casa é uma tarefa com performance facilmente mensurável: se as luzes acenderem e nada explodir, você fez um bom trabalho. O mesmo vale para outros tipos de trabalhos manuais: sua performance é mensurável de maneira objetiva. Uma pedra precisa ficar lisa, uma caixa precisa abrir e fechar. Os critérios de avaliação do trabalho são mais objetivos e os resultados vêm a curto prazo, o que traz mais satisfação e senso de recompensa.

RELAÇÃO MAIS SUSTENTÁVEL COM PRODUTOS E COISAS

Crawford defende que construir e consertar coisas faz com que a pessoa se torne um consumidor mais responsável. E não só porque ele será capaz de consertar seus bens antes de pensar em trocá-los, mas porque trabalhar diretamente com a matéria prima e com o processo nos faz valorizá-los mais.

TRANSFORMAÇÃO REAL DA REALIDADE

Para o autor, as profissões da economia da informação não fornecem um senso direto e real de transformação da realidade. Criar coisas duráveis, no entanto, é uma contribuição física palpável para o mundo. Crawford diz que existe um senso real de estar transformando o mundo e as coisas em algo melhor do que elas estavam antes, quando o trabalho começa.

Um artigo no site Psychology Today endossa os achados de Matthew e diz que trabalho manual realmente faz as pessoas se sentirem melhor.

De acordo com o texto, funções manuais e que exigem criatividade fomentam orgulho e satisfação e podem ser bons antídotos contra doenças como a depressão, por exemplo, além de problemas de baixa autoestima e inadequação social. “Fazer algo nos faz sentir produtivos, mas a conexão e a exploração envolvidas no processo podem melhorar a cabeça e o humor”, argumenta.

 

Fonte: Nexo Jornal

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